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18 setembro 2024

Capítulo 1 - Múrmuros

 


   Quando era pequeno, me falavam que temer o escuro era bobagem, tolos, mal sabiam eles da incumbência de tamanho ato de blasfêmia! Quando tinha meus 8 anos de idade, me recordo sutilmente de estar em uma noite sortida de verão na casa de minha avó em Granada na Espanha; o ano era 1699, os grilos recitavam suas músicas ao luar e eu me lembro como se fosse ontem, sentado naquela janela de carvalho seco, observando o Alhambra¹ de longe, minha avó estava no andar de baixo da casa preparando uma panelada de Spaghetti, o cheiro era intrínseco, vovó era de família italiana e nunca abria mão da tradição, diferente de tudo que já sentira antes; ao saltar da janela rumo a parreira de uvas e escorregando por uma corda que havia em beirada logo cheguei ao alpendre onde estavam meus familiares. Naquela noite algo estava estranho, uma sensação ressoava por minha pele e minha alma, eu me sentia mal, cabisbaixo, triste e deprimido. Logo eu o agitado Enoque cabisbaixo, era obvio que alguém iria notar que havia algo de errado comigo, minha mãe logo me perguntou se eu estava passando mal ou algo do tipo, e ligeiro como sempre escapei de suas perguntas derrubando alguma coisa para que me chamassem a atenção, nunca gostei de falar muito de mim. Ao fugir de minha mãe entrei rapidamente no deposito que havia ao fundo da cozinha, ao entrar fazia como de praxe, empurrava um ou dois sacos de arroz contra a porta fechada (Eu não tinha altura para tranca-la), me escondia embaixo da prateleira e colocava algumas caixas me tampando para que não me achassem; mas naquele dia, naquele fatídico dia, quando resolvi fechar meus olhos para me esconder de minha mãe, notei algo de errado quando os abri novamente; a sensação térmica, física e auditiva do lugar era a mesma, mas algo estava estranho, era como se espiritualmente estivesse diferente, o peso do ar, minha mente, tudo estava ressoando em ecos; no silencio daquele pequeno armazém eu só escutava um som e não era o da minha mãe, era da minha própria respiração e batimentos.

   Saindo de trás da caixa, chamei por minha mãe uma ou duas vezes, não me lembro ao certo, mas o que me lembro em suma, foi a resposta que ouvi de trás da porta; um som de desespero, algumas vozes arrastadas, tremulas e sofridas, diziam para mim coisas como “A vovó nunca vai voltar, entre dentro da cela e se torne uma sombra da vovó, ela está aqui, não ela não está”. As vozes se contradiziam, eu estava prostado de medo, e questionava a elas a todo momento coisas como “Quem são vocês, quero ir embora para casa”; elas nunca me respondiam, pareciam não me ouvir, isso até eu tocar na porta. Assim que encostei minhas mãos na porta, ela ressoo um som de retranca, algo que já havia ouvido antes vindo da porta do escritório do papai; o som ecoo com muito eco, eu então a abri e vi um vulto correr em direção a um lugar muito escuro, não havia nenhuma fonte de iluminação ali, nenhum sol, quando abri aquela porta não vi a casa de minha avó, vi somente um lugar escuro, sem luz, sem vida, sem morte, sem esperança e sem desespero. Senti pela primeira vez aquela sensação, era como se uma catarse imensurável tomasse conta de mim, todos os sentimentos bons e ruins sumiram, só o desamparo restava, nem medo eu senti quando olhei para o escuro; era como se eu não estivesse sentindo nada...

   Corri para de baixo da prateleira novamente e jogando as caixas para longe notei-me em um estado de frenesi crescente, como se cada segundo que passasse ali fosse contado de forma decrescente, como se minha vida, sanidade e minha própria alma fosse tendo seu tempo drenado; fechei-me os olhos novamente e pedi para ir embora. Ao abrir meus olhos, aquela sensação ressoante se esvaiu e da porta minha mãe entra, esbravejando comigo enquanto de meus olhos um rio de lagrimas descia. Daquele dia em diante, nunca mais dormi com as luzes apagas, era eu um tolo por temer o escuro?

 

¹ - A Alhambra, localizada em Granada, Espanha, é um complexo de palácios, fortalezas e jardins que data do século XIII. Construída durante o reinado dos Nasridas, a última dinastia muçulmana da Península Ibérica.


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