Henrique
Garupan, agradeço a este homem por me apresentar ao ofício da marcenaria;
enquanto estava preso em uma solitária na cadeia de Sevilla ouvi múrmuros da
cela ao lado, eram múrmuros de um homem que sua esperança devasta de um dia
construir portas para o Rei da Espanha agora era tomada por lamentos de um
assassino de mulheres, um homem sem sentimentos, um estuprador degenerado que
viu na morte sua única redenção. Recordo-me de ouvir comentários ríspidos dos
guardas a respeito de Garupan, eles indagavam que este homem estava além de
condenado a morte, acometido de uma loucura interminável, seu estado mental era
deplorável; eu mesmo, ouvi seus lamentos, coisas sem nenhum sentido
translucido, sem sentido para aqueles, logico, que o escuro não conheciam.
Fiquei na solitária, condenado a morte por cerca de 10 anos; durante este
tempo, um som familiar sempre ressoo em minha mente, um retrancar de portas,
retrancar esse que vinha das portas que Garupan fazia. Dentre todos os presos o
único que possuía um “ofício” lá dentro era Garupan, os guardas a fim de
amenizar a dor do carpinteiro louco, deram a ele um apelido intrigante, o
chamavam de “Senhor das portas”. Nunca conversamos até a sua última semana de
vida, nessa fatídica semana, os guardas que observavam sua situação terminal e
vendo que o homem mal conseguiria ir para a plataforma de enforcamento, abriram
sua cela e o deixaram ali prostado no chão, deram a ele a sua liberdade, mas o
velho, coitado, mal conseguia ficar em pé; naquela noite pela primeira vez,
conversamos por uma fresta que havia entre os tijolos, ele me entregou a chave
da minha cela e me disse que queria que eu fosse até lá ajuda-lo a cumprir uma
última promessa que fez a um antigo rei. Não hesitei em ajudá-lo, afinal, com
aquela chave eu poderia escapar e finalmente ser livre daquele lugar, ao menos
era isso que eu pensava; ao pegar a chave e abrir a minha cela, lembro que
olhei o corredor e vi um guarda dormindo, aquela era minha chance, poderia
simplesmente abandonar o velho ali e ir embora, Deus porque não fiz isso!
Minha
consciência pesou como uma ancora em um pequeno navio de madeira atracado em
uma pequena encosta de madeira, ao me mover em passos lentos até a cela escura
do velho carpinteiro, noite então, ao entrar, seu fascínio pelas tais portas; o
velho estava no chão com seu martelo em mãos. Ele tossia e murmurava sons de
agonia, em sua cela eu vi, tantas portas que nem me sentia mais em Sevilla, era
como se cada uma delas levasse para um lugar no mundo, era como se ali eu
realmente fosse livre, a sensação que tive naquele dia foi tão diatópica e ressoante,
um sentimento bom dentre a imensidão e solidão da minha apatia crescente,
fiquei deveras fascinado com aquelas portas, uma em especifico me intrigou
deveras; antes que eu pudesse tocar naquela porta vermelha tão magnifica, algo
além de seu tempo, sua maçaneta era dourada e ela possuía um intrigante
compartimento para colocar cartas, achei magnífico, nunca havia visto algo de
tamanha complexidade em algo tão simples quanto uma porta de madeira. O velho
articulava com sua mão já definhada, ao me aproximar um pouco dele observei que
o velho estava abismado, com um sorriso frenético em seu rosto, assim como o
que tive durante meu delirium no casarão, assustado, me recordo de suas
palavras até hoje.
“Agora eu
vejo, o que Bajin viu em ti, tu eres então aquele que irá enfim por ao mundo a
desordem que ele merece, dê a um velho uma última fagulha de esperança e
condene a ele uma vida eterna naquele lugar...”
Eu sabia em
partes o que o velho queria dizer, mas sem entender de fato o que ele estava
insinuando; me senti em uma catarse familiar e der repente aquele maldito
silêncio, o velho murmurou alegria ao ouvir o silencio abrupto e aquele clima
inóspito, a ressonância de ecos das almas perdidas naquele lugar tomaram conta
da minha mente, eu conseguia ouvir inúmeros sons, dos mais diversos,
entretanto, ao observar a sala notei algo deveras curioso, dentre as portas que
haviam, somente uma prevaleceu, a maldita porta vermelha que me chamou tamanha
atenção, o velho, se levantando aos poucos se segurando em minha calça rasgada
e com um olhar de misericórdia disse a mim mais palavras que carrego comigo.
“Não vá
para onde o caminho te leva, vá por onde não há caminho e deixe uma trilha,
saiba de uma coisa, o que está atrás de nós e o que está à nossa frente são questões
minúsculas comparadas ao que está aqui”.
O velho logo
caiu no chão e grunhindo de dor com o que parecia ter quebrado alguma parte de
seu corpo ele rastejava até a porta vermelha, batendo nela seu último prego ele
me pediu algo, uma tarefa segundo ele impossível; o velho me pediu para
entregar essa porta a um Rei cujo nome eu não conhecia, Rei Sansha Kali, ao questioná-lo
sobre a realeza que este reinava, o mesmo riu com desdém e acertou-me a perna
com seu martelo, lembro que senti uma dor tangível. O velho puxou-me a gola da
camisa rasgada e com um ar de severidade e notória loucura me disse em meio a
múrmuros “Barganhaste uma vez, para tu não serás difícil fazer novamente, mas o
caminho é árduo e sinuoso, dê a ela a porta que fiz! Peça a ele em troca o que
quiser, este é meu último desejo, conceder a alguém um desejo como um
verdadeiro gênio da lâmpada!” Me lembro da risada alucinante do velho, frenesi
tão abrupto que corroía até o tálamo de meu cérebro, era algo alucinante e
extremamente perturbador; eu olhei aquela porta e pensei comigo “Como raios
irei partir me daqui desta fortaleza com a droga de uma porta das costas?”. O
velho olhando para a entrada escura da cela com pavor dizia coisas como “As
almas estão chamando algo, Deus sabe-se lá o que vai atender o chamado, acho
melhor deixar-me aqui e ir embora”. Eu novamente não sentia nada, mas algo
dentro de mim estava estranho, senti algo, uma histeria de insanidade tão grande
que era como uma loucura verdadeira, senti o gosto de uma cor, senti “Amarelo”,
algo ressoo em minha mente, algo tão engraçado que eu não consegui parar de
rir, era cômico; novamente me perdi de mim, quando vi o velho estava na grade
da cela com o martelo preso contra sua maça encefálica, sua mão segurava-lhe o
martelo contra sua cabeça, eu abismado com o que havia acontecido, não me
recordara dos detalhes sortidos novamente; era como se eu tivesse adormecido
por alguns segundos e em piscar de olhos voltado a realidade.
Eu ouvi um
sussurro vindo do corredor, por algum motivo eu ainda não havia saído daquele
lugar escuro, aquela realidade diatópica alternativa a nossa, ainda sem sentir
nada, medo, remorso ou tristeza. Olhei o corpo do velho estiado em minha frente,
observando a porta vermelha de relance algo dentro de mim ressoo um
conglomerado de vozes, a porta me chamava e eu estava extremamente curioso para
abri-la, ao meu ver naquele momento, ali, com o corpo do velho começando a
exaurir um odor terrível de gases e outros dejetos que o corpo dispensa ao
morrer, me senti tomado por uma curiosidade crescente, algo inerte dentro de
mim que quase me ordenava a ceder meu instinto curioso e abrir a porta, observei
nos olhos caído para fora do velho carpinteiro um sentimento de pavor, mas como
é possível alguém sentir algo que acabou de “ver”?
Da porta
escura, a maldita besta que me persegue surge, educadamente dizendo ao entrar
dentro da cela, desviando-se categoricamente do corpo do velho, em duas patas
somente a criatura se apoiava no teto, ela me comprimento “Boa noite, Enoque”;
e voltou a sua forma quadrupede, lambendo o córtex frontal do velho que estava
como migalhas de pão, jogados no chão, os pedaços iam entrando na boca da besta
e ela ia murmurando prazer, como se ela estivesse comendo algo deveras
delicioso. Eu não conseguia sentir nada pela criatura, tão pouco era minha
vontade de questionar tamanho ato hediondo, a única coisa que eu mais queria
era abrir aquela porta, ver o que havia lá dentro. A criatura ao me ver se
aproximando da porta, parou abruptamente de ingerir os restos do velho e me
disse algo, me lembro que soava como “Não faça isso, essa porta não é sua”, ou
algo do tipo, sei que em instantes eu adormeci e quando acordei estava em minha
cela acorrentado.
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