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18 setembro 2024

Capítulo 4 - Ao frenesi de um louco carpinteiro

 


   Henrique Garupan, agradeço a este homem por me apresentar ao ofício da marcenaria; enquanto estava preso em uma solitária na cadeia de Sevilla ouvi múrmuros da cela ao lado, eram múrmuros de um homem que sua esperança devasta de um dia construir portas para o Rei da Espanha agora era tomada por lamentos de um assassino de mulheres, um homem sem sentimentos, um estuprador degenerado que viu na morte sua única redenção. Recordo-me de ouvir comentários ríspidos dos guardas a respeito de Garupan, eles indagavam que este homem estava além de condenado a morte, acometido de uma loucura interminável, seu estado mental era deplorável; eu mesmo, ouvi seus lamentos, coisas sem nenhum sentido translucido, sem sentido para aqueles, logico, que o escuro não conheciam. Fiquei na solitária, condenado a morte por cerca de 10 anos; durante este tempo, um som familiar sempre ressoo em minha mente, um retrancar de portas, retrancar esse que vinha das portas que Garupan fazia. Dentre todos os presos o único que possuía um “ofício” lá dentro era Garupan, os guardas a fim de amenizar a dor do carpinteiro louco, deram a ele um apelido intrigante, o chamavam de “Senhor das portas”. Nunca conversamos até a sua última semana de vida, nessa fatídica semana, os guardas que observavam sua situação terminal e vendo que o homem mal conseguiria ir para a plataforma de enforcamento, abriram sua cela e o deixaram ali prostado no chão, deram a ele a sua liberdade, mas o velho, coitado, mal conseguia ficar em pé; naquela noite pela primeira vez, conversamos por uma fresta que havia entre os tijolos, ele me entregou a chave da minha cela e me disse que queria que eu fosse até lá ajuda-lo a cumprir uma última promessa que fez a um antigo rei. Não hesitei em ajudá-lo, afinal, com aquela chave eu poderia escapar e finalmente ser livre daquele lugar, ao menos era isso que eu pensava; ao pegar a chave e abrir a minha cela, lembro que olhei o corredor e vi um guarda dormindo, aquela era minha chance, poderia simplesmente abandonar o velho ali e ir embora, Deus porque não fiz isso!

   Minha consciência pesou como uma ancora em um pequeno navio de madeira atracado em uma pequena encosta de madeira, ao me mover em passos lentos até a cela escura do velho carpinteiro, noite então, ao entrar, seu fascínio pelas tais portas; o velho estava no chão com seu martelo em mãos. Ele tossia e murmurava sons de agonia, em sua cela eu vi, tantas portas que nem me sentia mais em Sevilla, era como se cada uma delas levasse para um lugar no mundo, era como se ali eu realmente fosse livre, a sensação que tive naquele dia foi tão diatópica e ressoante, um sentimento bom dentre a imensidão e solidão da minha apatia crescente, fiquei deveras fascinado com aquelas portas, uma em especifico me intrigou deveras; antes que eu pudesse tocar naquela porta vermelha tão magnifica, algo além de seu tempo, sua maçaneta era dourada e ela possuía um intrigante compartimento para colocar cartas, achei magnífico, nunca havia visto algo de tamanha complexidade em algo tão simples quanto uma porta de madeira. O velho articulava com sua mão já definhada, ao me aproximar um pouco dele observei que o velho estava abismado, com um sorriso frenético em seu rosto, assim como o que tive durante meu delirium no casarão, assustado, me recordo de suas palavras até hoje.

“Agora eu vejo, o que Bajin viu em ti, tu eres então aquele que irá enfim por ao mundo a desordem que ele merece, dê a um velho uma última fagulha de esperança e condene a ele uma vida eterna naquele lugar...”

   Eu sabia em partes o que o velho queria dizer, mas sem entender de fato o que ele estava insinuando; me senti em uma catarse familiar e der repente aquele maldito silêncio, o velho murmurou alegria ao ouvir o silencio abrupto e aquele clima inóspito, a ressonância de ecos das almas perdidas naquele lugar tomaram conta da minha mente, eu conseguia ouvir inúmeros sons, dos mais diversos, entretanto, ao observar a sala notei algo deveras curioso, dentre as portas que haviam, somente uma prevaleceu, a maldita porta vermelha que me chamou tamanha atenção, o velho, se levantando aos poucos se segurando em minha calça rasgada e com um olhar de misericórdia disse a mim mais palavras que carrego comigo.

“Não vá para onde o caminho te leva, vá por onde não há caminho e deixe uma trilha, saiba de uma coisa, o que está atrás de nós e o que está à nossa frente são questões minúsculas comparadas ao que está aqui”.

   O velho logo caiu no chão e grunhindo de dor com o que parecia ter quebrado alguma parte de seu corpo ele rastejava até a porta vermelha, batendo nela seu último prego ele me pediu algo, uma tarefa segundo ele impossível; o velho me pediu para entregar essa porta a um Rei cujo nome eu não conhecia, Rei Sansha Kali, ao questioná-lo sobre a realeza que este reinava, o mesmo riu com desdém e acertou-me a perna com seu martelo, lembro que senti uma dor tangível. O velho puxou-me a gola da camisa rasgada e com um ar de severidade e notória loucura me disse em meio a múrmuros “Barganhaste uma vez, para tu não serás difícil fazer novamente, mas o caminho é árduo e sinuoso, dê a ela a porta que fiz! Peça a ele em troca o que quiser, este é meu último desejo, conceder a alguém um desejo como um verdadeiro gênio da lâmpada!” Me lembro da risada alucinante do velho, frenesi tão abrupto que corroía até o tálamo de meu cérebro, era algo alucinante e extremamente perturbador; eu olhei aquela porta e pensei comigo “Como raios irei partir me daqui desta fortaleza com a droga de uma porta das costas?”. O velho olhando para a entrada escura da cela com pavor dizia coisas como “As almas estão chamando algo, Deus sabe-se lá o que vai atender o chamado, acho melhor deixar-me aqui e ir embora”. Eu novamente não sentia nada, mas algo dentro de mim estava estranho, senti algo, uma histeria de insanidade tão grande que era como uma loucura verdadeira, senti o gosto de uma cor, senti “Amarelo”, algo ressoo em minha mente, algo tão engraçado que eu não consegui parar de rir, era cômico; novamente me perdi de mim, quando vi o velho estava na grade da cela com o martelo preso contra sua maça encefálica, sua mão segurava-lhe o martelo contra sua cabeça, eu abismado com o que havia acontecido, não me recordara dos detalhes sortidos novamente; era como se eu tivesse adormecido por alguns segundos e em piscar de olhos voltado a realidade.

   Eu ouvi um sussurro vindo do corredor, por algum motivo eu ainda não havia saído daquele lugar escuro, aquela realidade diatópica alternativa a nossa, ainda sem sentir nada, medo, remorso ou tristeza. Olhei o corpo do velho estiado em minha frente, observando a porta vermelha de relance algo dentro de mim ressoo um conglomerado de vozes, a porta me chamava e eu estava extremamente curioso para abri-la, ao meu ver naquele momento, ali, com o corpo do velho começando a exaurir um odor terrível de gases e outros dejetos que o corpo dispensa ao morrer, me senti tomado por uma curiosidade crescente, algo inerte dentro de mim que quase me ordenava a ceder meu instinto curioso e abrir a porta, observei nos olhos caído para fora do velho carpinteiro um sentimento de pavor, mas como é possível alguém sentir algo que acabou de “ver”?

   Da porta escura, a maldita besta que me persegue surge, educadamente dizendo ao entrar dentro da cela, desviando-se categoricamente do corpo do velho, em duas patas somente a criatura se apoiava no teto, ela me comprimento “Boa noite, Enoque”; e voltou a sua forma quadrupede, lambendo o córtex frontal do velho que estava como migalhas de pão, jogados no chão, os pedaços iam entrando na boca da besta e ela ia murmurando prazer, como se ela estivesse comendo algo deveras delicioso. Eu não conseguia sentir nada pela criatura, tão pouco era minha vontade de questionar tamanho ato hediondo, a única coisa que eu mais queria era abrir aquela porta, ver o que havia lá dentro. A criatura ao me ver se aproximando da porta, parou abruptamente de ingerir os restos do velho e me disse algo, me lembro que soava como “Não faça isso, essa porta não é sua”, ou algo do tipo, sei que em instantes eu adormeci e quando acordei estava em minha cela acorrentado.


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