Inscritos

18 setembro 2024

Capítulo 6 - Infelizmente, não posso deixar...

 


   Enfim me lembro, daquele dia traumático, o dia da minha execução; recordo-me de que o cavalo por algum motivo sumiu naquele dia, mas em vez de minha mente ficar um pouco mais coesa, senti inúmeros sentimentos condensados, uma verdadeira mistura, junção de ódio, tristeza, amor, medo e felicidade ao mesmo tempo. Quando o carrasco viera me buscar para levar-me até a plataforma de execução, recordo-me de pedir-lhe duas coisas, a primeira era que eu gostaria de saber em que ano estávamos, com um olhar um tanto indiferente ele, com a testa enrugada em sinal de estranheza me disse “1745”. Olhei-o com desprezo e cuspindo em seu pé lhe disse “Tolo, tenho apenas agora cerca de 30 anos, não é possível ter se passado 34 anos desde que fui sentenciado a esta maldita pena de morte!”. Ele sem esboçar reação alguma, me puxou pelas correntes que me aprisionavam e me arrastou pelos corredores daquele lugar vil e fétido, ao ser arrastado disse a ele qual seria meu último pedido, recordo-me de seu olhar de desprezo ao ouvir algo tão louco vindo de um simples louco que nem eu; “Quero que me execute ao lado daquela maldita porta vermelha, aquela que o velho deixou para mim, me mate ao lado dela, ao menos na morte verei o que há do outro lado!”. Ele me respondeu com um ar de desprezo questionando-me “E o que eu ganho com isso?”, tolo, lhe mostrei algo irrecusável, um lindo e minúsculo crânio de coelho, ao vê-lo o homem gargalhou. Gargalhei de volta com uma intensidade frenética e com um olhar sério e um sorriso macabro no rosto lhe respondi “Lhe daria a sua vida de volta...”. O homem me bateu com um ferro que havia em mãos, por sorte consegui colocar o crânio do coelho em minha teste bem a tempo de o carrasco bater-me com o ferro rústico e cilíndrico que possuía em mãos, pensei comigo “Talvez isso entre para dentro do meu cérebro e me mate?! Bom, um verdadeiro médico saberia o que pode matar uma pessoa melhor que um assassino!”.

   Após o impacto as coisas começaram a ficar frenéticas, nunca senti tamanha loucura tomando conta de mim, o que era vermelho se tornou amarelo, o que era verde continuou verde, o que era azul agora cortava, e o que era roxo... O que era roxo? Bem, de todo modo, voltemos ao meu relato!

   Depois que o carrasco me acertou, o crânio do coelho se partiu em fragmentos pequenos e estes adentraram em minha cabeça como balas de um mosquete banhado a pólvora negra; recordo me de ter sentido uma dor inexorável naquele momento, caído no chão e agonizando de dor enquanto gritava para ele me matar, vi inúmeras coisas, mas uma em especifico me intrigou deveras, o cavalo estava morto no chão e uma mulher chorava sua morte dizendo “Nosso filho agora nascera e não terá um pai para cuidar lhe, por que matar-te meu único amor, seu preso fétido desgrenhado e infame!”. Droga, até quando estou agonizando de dor o cavalo me enchia!

   Após ver a mulher aos prantos, o carrasco me puxava e me puxava, o sangue formava um caminho no chão e meu corpo ia ficando cada vez mais frio, sentia as dores indo embora aos poucos e minha visão se esvaindo, era uma verdadeira cena de pintura. Andamos por alguns lugares na prisão antes de chegar até a plataforma, por algum motivo meu corpo resolveu não deixar-me na mão até a plataforma (Engraçado, como médico digo que em circunstâncias reais, se um ser humano perdesse aquela quantidade de sangue ele provavelmente entraria em óbito em minutos). O carrasco amarrou-me o pescoço, estava muito claro e eu não conseguia ver a multidão de Sevilla, recordo-me de alguns rostos, como o de meu pai (Ele estava muito velho), não via minha mãe e nem meus avós; acho que àquela altura todos deviam estar mortos, mas porque eu não envelheci?

   Havia um padre a minha esquerda rezando algo, recordo-me que ele me dirigiu a palavra me perguntando se eu tinha alguma “Última consideração”. Obviamente, cuspi-lhe a cara e disse uma dúzia de coisas que deveria ter dito ao velho naquele dia, acho que o velho foi sem sombra de dúvidas, meu único amigo que tive! Disse ao padre.

“Enquanto aquela porta vermelha não for entregue ao Rei Sansha Kali, infelizmente, não posso deixar que me executem! Foi um pedido do meu único amigo, Henrique Garupan!”.

   Ouvi ao certo uma dúzia de suspiros coletivos e múrmuros de surpresa, notei no rosto do padre um pavor imensurável, me lembro de virar em direção ao carrasco pergunta-lhe o que espantava a todos, para que me olhassem com tamanha inquietação e temeridade; o carrasco como de costume, não tirava seu gorro que tampava-lhe o rosto, recordo que nesse dia, esse carrasco em específico tirou o gorro e com um olhar de medo, puxou a alavanca. Vi depois daquilo, um curto episódio do que hoje em dia eles chamam de “filme”, recordo-me sutilmente de todos os detalhes de minha vida, os momentos de prazer com Seranna, os momentos de lazer com meu pai e minha mãe em Veneza, os momentos tristes como a morte do vovô; juro-lhes que de meu rosto uma lagrima veio a escorrer, senti finalmente um sentimento genuíno, senti que naquele momento, queria viver para sempre. Disse em voz alta, antes que minha glote fosse tampada pelo enrijecimento da corda que em meu pescoço estava amarrada; “Quero, a qualquer custo que seja, viver eternamente, se preciso for, barganho contigo, besta horrenda!”.

   Naquele momento, lembro-me de que tudo ao redor parou, não ficou preto como o de costume, o tempo só parou, eu me vi em pé na plataforma novamente, não estava caindo nem nada do tipo, ao olhar para minha direita lá estava, a criatura horrenda, ela estava de pé e olhando fixamente para a multidão, ao virar-me um pouco mais, vi que o padre fora substituído por um marinheiro sem face, era apenas um esqueleto, um maldito esqueleto. Questionei a besta horrenda, “Ouvires minha proposta, ser horrendo?”, como sempre, com estrema educação e calma, ela me disse; “Boa noite Enoque, me chamo Bajin e é um prazer fazer negócios com seres externos”. Lhe respondi “Ora, então eres de tu que o velho mencionara em nossa última conversa?”, sua resposta foi um aceno positivo com a cabeça, perguntei-lhe se haveria alguma possibilidade de ele estar me concedendo o meu desejo, o que pedi antes de morrer; Bajin me respondeu olhando ainda a multidão, sem vira-lhe a cara para mim, disse:

“Ouça Enoque, tenho planos para você, planos formidáveis para você, mas primeiro, tu precisas cumprir o que prometeras ao velho, tu que eres o ser do escuro que barganhaste com ele naquela proposta, não posso interferir ainda, mas posso lhe poupar a vida agora! Afinal, fazemos, de um modo grosseiro de dizer e extremamente indelicado e impreciso. Farinha do mesmo saco, afinal, quando decidiu dar ao velho uma chance, ofereceu-lhe uma barganha, uma barganha com o escuro!”.

   Aquelas palavras me ressoaram a mente, um sorriso involuntário e abrupto surgiu em meu rosto, ao que me recordo. Sutilmente apontei-lhe com meus olhos e expressões a corda que me prendia, ele educadamente se virou e disse “Ah! Mas é claro, com licença!”. Bajin mordeu-me o pescoço, retirando a corda junto de uma porção de minha carne, malditas criaturas inescrupulosas do escuro! Contudo, estava livre, livre para achar aquela porta e levá-la até o Rei Sanhsa Kali, naquela época, mal sabia eu do problema que eu havia me enfiado...


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Capitulo 10 - Tudo e nada, a concepção da loucura frenética

    "A única diferença entre um louco e eu é que eu não sou louco." Salvador Dali      Como em um sonho me vi caindo infin...