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18 setembro 2024

Capitulo 8 - Eu, uma porta e... O maldito cavalo? Pt. 2

 


 

   Os detalhes da minha mente agora estão já se esvaecendo, recordo-me que por 143 precisos anos eu vaguei pelo deserto e durante 143 anos anotei em meu caderno, uma frase por dia, durante 52.195 dias; dentre elas somente de algumas me recordo, pois daí por diante fui tomado pela loucura enfim.

Hoje, eu, uma porta e um cavalo vagamos por um deserto isolado. Tudo parece monótono e desagradável, felizmente, ou infelizmente, não estou cansado de caminhar.

No escuro ao que tudo indica, este, está de fato. Ao menos, foi que esse ríspido cavalo me disse.

Vejo-me em uma catarse diabolicamente corrosiva, ela me consome e me deixa desolado, recordo-me do pomar de maçãs, das vinheiras e do rosto de minha avó.

Recordo-me hoje, de todos os rostos que olhei em vida, Seranna meu primeiro amor, meu pai sábio e amável, minha... Do que estávamos falando mesmo?

Observo-me esquecendo de fato quem sou, não sei se tenho um rosto ainda, bem, ao menos não vi nenhum espelho neste deserto largo o bastante para eu fazer a barba, isso é, se é que eu tenho uma.

Ando cansado ultimamente, mas mesmo dormindo em pé, meu corpo se recusa a parar, engraçado, nunca havia dormido em pé, será que eu estava dormindo ou só alucinando um sonho vivido enquanto caminhava? O que sonhei mesmo?...

A porta já não pesa, os comentários do cavalo já não absorvo, eu já não existo; sinto-me um só para com a loucura e um só para com o deserto, sou hoje suas areias que banham esse vasto vazio imensurável a mente humana.

Vagando por um deserto com um cavalo sem nome, seu nome já não me lembro mais, meu nome ao menos, ainda me lembro, sou Enoque, filho daquele... Daquele carpinteiro?...

Vultos, inúmeros vultos, acho que vi um homem morto ou um tronco, já não sei mais; dentre as alucinações que observei nos últimos dias, noto um padrão similar ao de um caleidoscópio, mas o que é um caleidoscópio? Como sei o que é isso, sem saber o que é?!

As areais são cinzas e o clima monocromático, sinto-me em um vazio existencial profano, recordo-me de uma frase de um filosofo que li em um livro uma vez “Penso, logo existo”.

Quem é o responsável por tamanha tortura? Por que eu ainda estou andando sem rumo? Qual o sentido disso tudo? Tudo por conta de uma promessa a Garupan, que entregaria essa porta ao Rei Kali no escuro, sou de fato um louco em querer fazer isso!

As vozes, eu estou ouvindo vozes de meu passado, só não sei de quem são... Não me recordo mais de ter um passado, já não sei mais o que pensar além de pensamentos sobre o próprio pensar...

Eu vi um pássaro! Pensei em matá-lo, pensei em poupá-lo, mas não carrego comigo um mosquete. Poderia arremessar eu, essa porta e acertar aquele pássaro?

Hoje percebo que nunca ouve um pássaro, não nesse deserto, não nessa barganha. O cavalo me disse que também viu o pássaro, começo a pensar que ele está ficando maluco.

Noto, que em alguns dias talvez, eu já não me recordarei de mais nada que já vivi, afinal, desde que nasci, sou parte desse deserto...?

O cavalo me contou uma história sobre uma pedra que deslizou, eu ri muito! Ele me disse que a pedra deslizou até não conseguir mais e por fim parou, recomendei ele procurar um médico para tratar sua mente lúgubre e funesta.

Acho engraçado o fato de não sentir sede ou fome, coloquei um pouco de areia na boca e o gosto era bom, afinal, nunca havia colocado nada até hoje em minha boca... Na verdade, me lembro de algo bem molhado que coloquei, não me recordo dos detalhes sortidos, mas sei que havia acompanhado com um sentimento intrigante, algo deveras erótico, algum dia talvez me lembre do seja.

Notei de fato, ontem à noite, que não sei mais onde está minha boca. Isso é, se eu tive uma! Engraçado, não sinto meu corpo mais, tentei olhar para baixo, mas também acho que não tenho mais pescoço ou olhos, não sei...

Pego-me pensando enquanto vago pela imensidão desse vazio absoluto, repleto de areia e uma catarse ressonante que corrói meu amago aos poucos, será que de fato, ao fim da vida, somos loucos o bastante para sermos considerados sábios?

Vi agora a pouco que estou me aproximando de uma arvore morta, da espécie Adansônia digitata ou conhecida popularmente como Baobá, uma arvore comumente conhecida pelos seus troncos largos e suas fortes raízes. Mas espera um pouco, como sei disso? Nunca fui um jardineiro ou algo do tipo.

Há quanto tempo estou vagando por este deserto fúnebre? A todo lado que olho só vejo areias feitas de grãos tão pequenos que mal consigo contar quantos tem nesse deserto, seria loucura, não? Contar a quantidade de grãos tem nesse deserto?!

Pense no seguinte, apaixonei-me por um objeto anômalo, o que é se apaixonar? É querer que aquilo esteja do seu lado e viva com você por toda a eternidade? Ou o simples fato de querer tomar algo bonito, que gostou de fato, para si e somente para si, a todo custo?!

Estou muito feliz, vi pela primeira vez nesse deserto uma grotesca criatura rastejante, similar a uma lesma, a chamei de Joshua em homenagem a... Alguém, ou a algo, não sei, este nome veio como muitos outros em minha mente. O importante é que eu estou feliz!

Joshua ao que tudo indica ficou para trás, nos três seguimos vagando em linha reta rumo ao fim do mundo pelo imensurável deserto, sinto em meu corpo, uma tristeza ressoante que se torna então de fato, pavorosa de mais para se sustentar em meu amago.

Estou com medo, ouvi um sussurro alto durante a noite, mas do que eu estou falando? Devo estar alucinando ou em outra crise psicótica, afinal, aqui sempre é noite, não poderia ter ouvido o sussurro durante o dia, pois em suma, estou eu no Escuro.

Frustrado, com o maldito cavalo que não fala nada. Oh ser desgraçado, ríspido, detestável, maçante, repulsivo, abominável, amaldiçoado, antipático, insuportável, intolerável, odioso, deplorável!

Lembro-me hoje, da aparência grotesca de Joshua, era horrendo! Escaras e feridas expostas, um odor terrível! Jamais ser vivo poderia ser tão repugnantemente podre e exacerbadamente nojento quanto Joshua!

EU VI! Eu vi finalmente o pássaro, não estou alucinando, eu o vi, com meu próprios olhos que creio eu ter, vi um pássaro, com penas negras como o céu daqui (Escuro), com olhos brancos como a luz ressoante daqui (Escuro), com garras afiadas, quero que ele venha me matar!


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